terça-feira, 23 de abril de 2013

trescortes, remanchas perpétuas.


para o intrincado sertão não há geometria. a ressonância do tempo abatido pelo corpo crispado, pela pólvora fresca, pelas palpitações dos cavalos opera desconcertando traumas. a ficcionalização dos alívios redobra no baú quase infinito de enfrentamentos os reveses rigorosamente construídos que repontam das pontas de chapéus pousados no chão ao processo de avivamento das saudades.

"Ânsias, ver aquilo. Alt’ –e-baixos — entendendo, sem saber, que era o destapar do demônio — os cavalos desesperavam em roda, sacolejados esgalopeando, uns saltavam erguidos em chaça, as mãos cascantes, se deitando uns nos outros, retombados no enrolar dum rolo, que reboldeou, batendo com uma porção de cabeças no ar, os pescoços, e as crinas sacudidas esticadas, espinhosas: eles eram só umas curvas retorcidas! Consoante o agarre do rincho fino e curtinho, de raiva — rinchado; e o relincho de medo —  curto também, o grave e rouco, como urro de onça, soprado das ventas todas abertas. Curro que giraram trompando nas cercas, escouceantes, no esparrame, no desembêsto —  naquilo tudo a gente viu um não haver de dôidas asas. Tiravam poeira de qualquer pedra! Iam caindo, achatavam no chão, abrindo as mãos, só os queixos ou os topetes para cima, numa tremura. Iam caindo, quase todos, e todos, e todos; agora, os de tardar no morrer, rinchavam de dôr — o que era um gemido alto, roncado, de uns como se estivessem quase falando, de outros zunido estrito nos dentes, ou saído com custo, aquele rincho não respirava, o bicho largando as forças, vinha de apertos, de sufocados." (Grande sertão: veredas, p. 355-56)

2 comentários:

  1. Gabi! nunca me esquecerei da sua mensagem-posfácio 'bem vinda à humanidade dos avessos...'

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